Propaganda de Medicamentos
Os éticos e a ética da indústria farmacêutica no Brasil
INTRODUÇÃO O tema Propaganda de Medicamentos, foi escolhido por ser muito questionado, já que a propaganda é um instrumento persuasivo, o que gera uma contradição com a responsabilidade social da própria indústria farmacêutica. O estudo contou com a pesquisa bibliográfica e entrevistas com profissionais da área. O objeto de estudo é o medicamento ético, que segundo Lei da Vigilância Sanitária nº 6.360, de setembro de 1976 (atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996), não pode ser anunciado na mídia de massa, apenas às revistas médicas. O que o difere do medicamento OTC (medicamento de venda livre), que pode fazer propaganda “livremente” na mídia Levando em conta que a indústria farmacêutica divulga o medicamento ético apenas ao médico e esse indica-o ao paciente, o médico é, então, um dos responsáveis pela venda do medicamento. Como, geralmente, o paciente não contesta seu médico, por acreditar na sua palavra ou desconhecer a eficácia do medicamento, surge o que a filósofa Marilena Chauí, coloca no seu livro Cultura e Democracia, como Discurso Competente “é aquele discurso que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado.” Ou seja, o médico tem um certo poder sobre o paciente, um verticalismo existente entre quem tem o poder de falar e quem não tem. Assim como o que é científico e o que é popular. Sem cair na oposição, mas na discussão, para que a validade de ambos seja respeitada. O estudo faz ainda, uma breve abordagem sobre o papel do propagandista, que na verdade é o representante de vendas da indústria farmacêutica e relata sobre os escândalos dos medicamentos falsos e a polêmica chegada dos genéricos ao mercado de medicamentos no Brasil. MERCADO Propaganda de medicamentos, marketing em saúde, propaganda farmacêutica são alguns termos utilizados na mídia e que certamente farão parte desse breve estudo sobre a divulgação do remédio nos meios de comunicação. Desde o início do século XX, a propaganda a respeito de produtos farmacêuticos, constitui-se em uma manifestação forte de persuasão. Aliás, na própria história da propaganda no Brasil, nota-se que os primeiros anunciantes eram desse setor.
Mensagens em bondes, em um tempo onde não havia mídia, como as do xarope Rhum Creosotado, criadas pelo escritor Casemiro de Abreu, já prometiam curar os doentes de bronquite. Em 1900, a propaganda do Xarope São João destacava-se pela imagem agressiva, colocando a doença como o grande mal e o remédio como salvador. Com a chegada da mídia, os investimentos da indústria farmacêutica em propaganda cresceram muito. Alguns anunciantes, dessa época, estão até hoje no mercado: Instantina e Cafiaspirina da Bayer, Bromil, Guaraina, Mitigal e a maior peça publicitária da década de trinta: o Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato para Biotônico Fontoura. Os produtos de caráter popular, não éticos, serviram para fixar a propaganda de estilo persuasivo. Esses medicamentos aram a ser conhecidos como OTCs (Over the Counter) de venda livre, podendo anunciar livremente na mídia, ao contrário dos chamados éticos (vendidos apenas com receita médica). Segundo os registros da ABIFARMA (Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas), o mercado farmacêutico nacional movimenta anualmente cerca de 10 bilhões e meio de dólares. Apesar de não aparecer tanto aos consumidores, os investimentos na comunicação chegam a cifras bilionárias. Essa verba provém de mais de 300 laboratórios instalados no país. Por exemplo o Laboratório Aché é uma empresa com 95% de produtos éticos, fechando um balanço de quase 650 milhões de dólares de faturamento (1º do Ranking, segundo Revista Exame 98). A empresa reserva 150 milhões de dólares no treinamento, salário e material de propaganda para tornar seus 2 mil profissionais aptos ao mercado. O grande investimento na propaganda de medicamentos justifica-se porque os brasileiros estão no 4º lugar em consumo mundial de medicamentos. Com uma média de 11 caixas de produtos farmacêuticos por pessoa/ano, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, França e Alemanha.1 Além dos OTCs e éticos, muito se fala hoje nos lifestyles drugs, conhecidos como remédios que melhoram a qualidade de vida. E para esses medicamentos, não faltam consumidores, nem apelo na mídia. A razão para o interesse dos laboratórios farmacêuticos em investir nesse tipo de medicamento é porque os analistas de mercado estimam que cinco entre dez remédios mais vendidos, no prazo de uma década, serão lifestyles drugs. 1
CAMARGO, Patrícia. Cheque nos laboratórios. Revista Propaganda, São Paulo, nº 566, agosto/98. P 21 e 22.
Segundo Júlio Cesar Gagliardi, diretor de marketing estratégico do Laboratório Aché, a grande diferença entre montantes aplicados nos éticos e nos OTCs (os mais vendidos são: analgésicos, descongestionantes e antiácidos) é uma questão cultural. O brasileiro é fanático por automedicação. Vai do chá da vovó que promete curar a dor de cabeça até o lançamento do analgésico, promotor de grande espetáculo na mídia, que pode ser encontrado em farmácias, bancas de jornais, padarias e até camelôs, sem fiscalização. Segundo pesquisa realizada em 1992 (Pharmaceutical Marketing Brazil) o Ranking dos 5 éticos mais vendidos no Brasil, é o seguinte: Cataflan, Voltaren, Lexotan, Keflex, Capoten.2 FISCALIZAÇÃO Se hoje, ou a existir algum tipo de fiscalização pelo Ministério da Saúde e uma preocupação maior por parte dos próprios laboratórios em zelar pela imagem, comunicar melhor o consumidor, seja através da imprensa ou da própria peça publicitária, foi devido ao escândalo dos remédios falsos, que alarmou o país, em 98. Casos como o do placebo (pílula de farinha) do Microvlar/Schering, distribuído ao mercado erroneamente, que causou gravidez em mães que não podiam ter filhos e a “máfia dos remédios falsos”, que se utilizou de artifícios sofisticados, como: fabricar remédios sem efeito algum, remédios com dosagem de substância ativa menor do que informa a bula e remédios que possuem a substância correta, mas fabricados em laboratórios clandestinos (fundo de quintal) sem higiene e controle de validade. Se antes apenas analgésicos e antigripais eram falsificados, a “máfia” ou a aperfeiçoar-se, atingindo principalmente os éticos, medicamentos caros e difíceis de serem encontrados. Foi o caso do Androcur/Schering, utilizado no tratamento do câncer de próstata, que acabou gerando mortes. Só a partir das mortes e dos escândalos, divulgados diariamente pela mídia, o Ministério da Saúde resolveu se mobilizar, criando o Disque Saúde 0800-611997 para denúncias de falsos medicamentos. Hoje, a falsificação de medicamentos é um crime hediondo. Parte da indústria farmacêutica mobilizou-se rapidamente, defendendo-se dos ataques da mídia, modificando o sistema de distribuição e principalmente alterando as embalagens, à procura de segurança não só para o medicamento, mas para sua imagem. 2
BARROS, José A. C. Propaganda de Medicamentos. Atentado à saúde? São Paulo, Edit. Hucitec, 1995. P135.
José Ruben de Alcântara Bonfim (médico sanitarista, presidente da Sociedade Brasileira de Vigilância Médica) denuncia no seu “A mercadização de produtos farmacêuticos e a inação governamental no Brasil”, que no Brasil não existe a mínima vontade por parte da indúsutria farmacêutica de se promover a ética e que, portanto, seria pertinente, com base no Art 58, da Lei 6.360/76, que o Ministério da Saúde produzisse outro regulamento, ou seja, um decreto que só permitisse a propaganda de material impresso mediante prévio exame de comissão de especialistas formada para esta finalidade com participação de entidades de defesa do consumidor. A razão da proibição (ou de uma fiscalização eficaz) é simples: medicamento não é mercadoria comum, necessita de intermediação técnica (médicos) para ser consumido. Dr. Bonfim ainda alerta para os medicamentos perigosos, usados no Brasil, mas proibidos no exterior, como é o caso da dipirona. Uma substância utilizada em analgésicos (os mais vendidos no país, segundo Ranking da Abifarma/ nov. 99, são: Tylenol, Anador, Aspirina, AAS, Novalgina) banida em 16 países, inclusive há mais de 20 anos nos Estados Unidos, que pode causar doenças graves como a agranulocitose e a aplasia medular. Podendo, o agravamento desses distúrbios, levar à morte. 3 GENÉRICOS Quando parecia estar tudo tranquilo para a indústria farmacêutica, no dia 10 de fevereiro de 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso, sancionou a lei (9.787) aprovando os genéricos em produtos farmacêuticos. O assunto sempre foi polêmico e vinha sendo discutido desde 1991. Segundo a ABIFARMA (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica) para um medicamento ser considerado genérico, além de não ter marca comercial, deve comprovar sua bioquivalência e biodisponibilidade. As embalagens devem conter o nome do princípio ativo e a frase: “medicamento aprovado de acordo com a lei 9.787”. Já nos medicamentos de marca, o princípio ativo, substância da qual depende a ação terapêutica de um medicamento, deve ser informado nas embalagens em tamanho não inferior à metade do tamanho da marca. Os similares, que são cópias legais de medicamentos de marca, mas que não aram pelos testes de bioquivalência e
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Silveira, Antonio Carlos. Estudo denuncia 652 remédios perigosos. Diário Popular. Cd. Cidade.São Paulo, domingo, 16 de maio/99.
biodisponibilidade, tem que ter marca e princípio ativo na embalagem, como os de marca. O consumidor a a perceber mais facilmente que determinada substância não pertence apenas a uma marca, mas que várias marcas podem ter essa mesma substância, talvez marcas menos famosas e portanto mais baratas. Porém caberá ao médico a indicação ou substituição de um medicamento de marca, já conhecido pelo consumidor, pelo genérico. O prazo dado pelo Governo para alterações nos medicamentos venceu em agosto de 99 e nada havia sido feito pela indústria farmacêutica, que pedia mais tempo para as diversas mudanças no setor. Em setembro, o Governo publicou um decreto dando mais prazo, que foi vencido em 10 de fevereiro de 2000. Segundo o presidente da ABIFARMA, José Eduardo Bandeira Filho, os laboratórios filiados terão que mudar cerca de 1,7 bilhão de embalagens.4 Segundo a I de Medicamentos, a grande vilã é a indústria farmacêutica que resiste à entrada dos genéricos e por isso, é acusada de formadora de “cartel” no Brasil. PROPAGANDISTA E LABORATÓRIOS Por não poderem fazer parte da mídia de massa, os medicamentos éticos encontram outras formas de serem divulgados. Através de notícia, como descoberta científica e principalmente em congressos, onde os médicos são convidados e a indústria farmacêutica, normalmente é a grande patrocinadora. Para o Dr. Artur Timermam, infectologista, a função dos laboratórios é de convidar os médicos para conhecerem os novos medicamentos, para que discutam a respeito e, inclusive tenham o aos novos trabalhos científicos que são apresentados nesses congressos, e não para que fiquem obrigados a indicarem determinado medicamento em função do evento. Mas a maior mídia de comunicação dos laboratórios farmacêuticos é o propagandista, o profissional responsável pela divulgação e venda dos medicamentos. Munidos de catálogos, peças promocionais, material científico, amostras grátis e brindes, eles percorrem uma média de 15 médicos por dia, gastando cerca de 5 a 10 minutos por visita para convencer o médico sobre as vantagens do seu “produto”, segundo Roberto 4
CORREA, Silvia. Entenda a nova classificação dos remédios. Folha de S. Paulo, Cad. Cotidiano. São Paulo, 21 de outubro/99.
Bento, ex propagandista do Laboratório Merck Sharp&Dohme (segundo pesquisa The Economist/98, o 2º maior do mundo). Dificilmente o laboratório trabalha com apenas uma agência. As revistas especializadas são, quase sempre, editadas pelos próprios laboratórios, sendo que em alguns casos, os laboratórios têm o seu próprio departamento de comunicação (house agency), garantindo total segurança à empresa. O gerente de treinamento de força de vendas do laboratório Merck, Carlos Siqueira, vai mais longe. Ele acha fundamental que o propagandista entenda de patologia, anatomia, fisiologia e que faça um curso de comunicação, pois só assim terá condições de mostrar ao médico que o seu medicamento é o melhor.5 A cada vinte dias, o propagandista costuma
ter cursos de reciclagem no próprio
laboratório. Uma preparação para o dia da visita ao médico, o que acontece uma vez por mês. Antes o propósito dessa visita mensal era de divulgar novos medicamentos e checar se o médico estava prescrevendo os já lançados, mas hoje, com a tecnologia, os propagandistas já conseguem ter o controle de vendas e de prescrição do médico através de um pequeno computador, que carregam na mala, utilizando o curto tempo da visita para divulgar novos medicamentos. O Dr. Eduardo Mutarelli, neurologista, não se deixa seduzir pelas novidades da indústria farmacêutica e nem recebe o propagandista. Só tem conhecimento de novos medicamentos através de congressos organizados por médicos e só aceita novidades testadas com extremo rigor científico. O Dr. Antonio Demartini Manzan, ginecologista, acha importante a visita dos propagandistas no consultório, que apesar de serem um pouco inconvenientes, apresentam medicamentos interessantes, que ele pode precisar utilizar a qualquer momento em uma paciente. Ainda diz que todo dia tem novidade.
CONCLUSÃO Através desse breve estudo sobre a Propaganda de Medicamentos, analisando os éticos e as questões éticas, pode-se notar que apesar de existirem Leis, infelizmente não são cumpridas.
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CONTE, Carla. “O propagandista”. Folha de S.Paulo. São Paulo, domingo, 8 de novembro/98.
A verdade é que o governo finge que o consumidor não se automedica, o farmacêutico, quase sempre substituído pelo balconista, finge vender medicamento tarjado só com receita médica e o consumidor finge estar tudo bem. Prova disso é que a maior parte da população ainda não tem o a médico e portanto o à receita médica e dois dos principais medicamentos éticos estão na lista dos mais vendidos do país: Cataflan e Voltaren. E, certamente, são comprados sem receita médica nas farmácias.
BIBLIOGRAFIA
BARROS, José Augusto Cabral. Propaganda de medicamentos. Um atentado à saúde? São Paulo, Hucitec, 1995. CAMARGO, Patrícia. Cheque nos laboratórios. Revista Propaganda. São Paulo. Nº 566, agosto/98. CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. São Paulo, Cortez, 1997. CONTE, Carla. “O propagandista”. Folha de S.Paulo, Caderno São Paulo, 8 nov./98. CORREA, Silvia. Entenda a nova classificação dos remédios. Folha de S.Paulo. Cd Cotidiano. São Paulo, 21 de outubro/99. RAMOS, Ricardo e MARCONDES, Pyr. 200 anos de Propaganda no Brasil. São Paulo, Meio e Mensagem, 1996. SILVEIRA, Antonio Carlos. Estudo denuncia 652 remédios perigosos. Diário Popular. São Paulo, 16 de maio/99. TEMPORÃO, José Gomes. A propaganda de medicamentos e o mito da saúde. São Paulo, Graal, 1986.
PAULA RENATA CAMARGO DE JESUS. Publicitária. Professora de Redação e Criação Publicitária da Universidade Santa Cecília/UNISANTA e de Publicidade e Propaganda da UNIP/SANTOS e
Mestranda em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo/UMESP